domingo, 10 de março de 2013

Ela é do futuro.


Abriu os olhos num susto ao ouvir o som do despertador, o coração acelerado após um sonho sem sentido e a urgência de ter que encarar mais um dia intenso. Estava atrasada novamente, e era preciso se dividir em mil para conseguir tomar banho, se vestir, esconder a palidez e as olheiras com uma maquiagem básica, arrumar os cabelos e tomar café, tudo isso antes das vinte para as sete, quando devia estar saindo de casa.
Estava cansada, tanto fisicamente quanto mentalmente. Sentia várias coisas se esvaírem dela, inclusive a liberdade em muita coisa. Era necessário disciplina, responsabilidade, não podia em momento nenhum pensar que as coisas seriam fáceis dali pra frente, porque ela tinha deixado de ser criança.
Ela morria de medo, morria de medo de fracassar, de perder para ela mesma. O medo e a tensão eram seus companheiros constantes agora, pois o futuro estava batendo na porta, a espera de uma permissão para entrar. E ela tinha que dar essa permissão.
Estava presa em um engarrafamento quilométrico, nervosa pelo atraso, pensando em todas as consequências que aquela perda de tempo traria. Sentiu por um momento uma saudade doída de quando ela não precisava levantar antes das sete, de quando o que a acordava eram os beijos carinhosos de mamãe para ir na escolinha ali no bairro mesmo. 
Agora, tudo era diferente. Estava alçando voo, crescendo, estendendo as asas rumo ao desconhecido futuro. Estava apostando todas as fichas no que, ao ver dela, é o que ela queria. 
Saiu do carro seguida de um olhar orgulhoso e talvez meio melancólico do pai, que enquanto todo o conflito interno acontecia na cabeça dela, tinha ficado observando como sua garotinha cresceu. Constatou que a garotinha tinha ido embora há muito, e que agora uma mulher tomara seu lugar. Observou o andar dela pela calçada e refletiu enquanto fixava os olhos cor de mel - que ela herdara - no retrovisor: "Agora ela é do mundo, agora ela é do futuro".