Ao pender a minha cabeça, com o ar
com cheiro de risadas e restando alguns resquícios delas, olhei para um ponto
fixo perdido enquanto recuperava o fôlego e sentia os músculos do rosto
reclamarem por trabalharem tanto. A mão entrelaçada com a minha no sofá e seu
dono me eram só carinho, e me faziam perceber a morna felicidade me preencher
as bochechas e o peito. Olhei para o lado sabendo exatamente o sorriso que ia
ver, mas ainda assim, me surpreendo ao vê-lo, como se sempre fosse um show
inédito.
Deixando o pôr do sol regado a
séries com episódios longos e macarronada requentada, a noite chegou sem pedir
licença; as horas passavam rápido demais. A noite estava úmida, sentia quase
grudá-la sob a minha pele, enquanto caminhava pela rua com uma palma de mão
quente junto a minha, embora as pontas dos dedos insistissem em usar o dorso da
minha mão para batucar uma melodia desconhecida a mim. Crianças da vizinhança
corriam pela rua estreita, avistamos um morcego voar ao longe e ouvi uma piada
idiota e bobinha envolvendo Batman e ele precisar ir, que inevitavelmente me
fez rir de novo e ele sorrir presunçoso em resposta.
Paramos em um ponto perdido da
rua, à espera da vontade de despedidas que nunca vinham. As mãos entrelaçadas
despertaram uma guerra silenciosa de dedões, que eu sempre (ou quase sempre)
ganhava. Após a minha vitória e uma pequena discussão sobre como eu tinha
roubado por ter conseguido permanecer invicta por três vezes seguidas, houve um
beijo em forma de sorriso e uma declaração sussurrada mútua, que fez a
felicidade morna se derramar na minha boca e seu gosto doce me inundar, o mesmo
gosto doce daquele beijo.
Um abraço me envolveu e a
movimentação dos braços envolta de mim já era familiar, reconfortante e
necessária. As despedidas repetitivas queriam encerrar o dia, mas o abraço não
frouxava. Após as mãos desatarem, os dedos se tocarem pela última vez, os
corpos se separaram com resistência, e olhamos nos rostos um do outro e ali não
couberam palavras, só um aceno para depois sairmos andando. Ouvi um “Ei moça,
eu te amo!” gritado da rua, e eu sorri ao responder “Eu sei!” e sussurrar para
mim mesma que também o amava.
A vizinha de três casas após a
minha me olhou daquele jeito compadecido de quem já viu aquilo tudo várias
vezes, e eu sorri de volta ao perceber que aquela cena iria se repetir várias e
várias vezes mais, porque a felicidade só me preenchia, só transbordava, e ela
tinha um toque morno, gosto doce e coceirinha engraçada no nariz, como um bom
beijo tem.