Ouviu barulhos de tiros, seu corpo enrijeceu e ele saiu correndo em disparada, pálido, sentindo um frio repentino nas entranhas. Corria se abaixando, em meio a berros, se tremendo, sem pensar direito, apenas corria por sua vida, o desespero tomando conta de sua mente e o ar entrando e saindo de seus pulmões de modo ardoso, com dificuldade, secando a garganta.
Sua vida, de repente, passou em sua cabeça. O garoto tímido e fora dos padrões de beleza vivera de um modo nada marcante, nada extraordinário. Era aquele tipinho banal que se cala quando quer falar, que se reprime quando quer agir e que se fecha tanto em algo que se espera dele que simplesmente some em meio a multidão, se torna invisível. Pensou: "O que falariam de mim em meu enterro?" e refletiu que seria o velho clichê de "bom ser humano, bom filho, bom garoto" e talvez sua mãe chorasse diante das câmeras de TV que ele era estudante, e por uns minutos o país se comovesse com um futuro perdido pela violência dos grandes centros urbanos. Nada mais que isso. E ele? E sobre o real Rodrigo? E sobre o que se passa dentro dele?
O garoto sentiu uma dor latejante em seu corpo, tão forte que o fez cair no chão, no meio fio de uma rua pela qual corria enquanto refletia. Gemendo de dor e sentindo a visão turva, ergueu a mão até sua barriga, onde parecia ser a fonte de sua agonia... a mão veio completamente vermelha, suja e ensopada de sangue. Se deu conta que havia sido atingido, que correr fora inútil, que a morte o tinha perseguido em formato de um projétil cheio de pólvora, vindo de uma arma de fogo (de policiais? de bandidos?) a guerra e o tiroteio não tinham vencedores ou vencidos, certos ou errados, eram todos vítimas de si mesmos.
Rodrigo ouviu os berros, os chamados, algumas mãos o tocando, rostos ao redor... mas tudo estava tão distante! A visão era turva e sua audição era quase toda prejudicada por uma surdez repentina, nem falar conseguia, só puxar ar incessantemente, mas sabia que não iria adiantar. No fundo, ele sabia que ali se encerrava sua vida.
Com a boca de repente com um gosto de metal frio, olhou adiante para o céu e puxou o ar uma última vez. Pendeu a cabeça para o lado, e viu uma ambulância chegando, paramédicos saltarem do automóvel. Era tarde demais, ele fechou os olhos.
E abriu de ímpeto.
Não estava no asfalto de uma rodovia, não havia sangue, não havia bala, não havia multidão, desespero, ambulância.
Rodrigo não era um jovem sem graça, invisível, clichê, banal.
Rodrigo era uma criança de 11 anos que sonhou com toda uma vida durante uma noite, e que resultou em uma cama molhada de xixi, suor frio, berros pela mãe e uma zoação eterna pelo irmão mais velho com o qual dividia o quarto (que não era o Rodrigo, mas ele sim vivia uma vida sem graça, invisível, clichê e banal).