quarta-feira, 24 de julho de 2013

Garoto sem graça, invisível, clichê e banal.


Ouviu barulhos de tiros, seu corpo enrijeceu e ele saiu correndo em disparada, pálido, sentindo um frio repentino nas entranhas. Corria se abaixando, em meio a berros, se tremendo, sem pensar direito, apenas corria por sua vida, o desespero tomando conta de sua mente e o ar entrando e saindo de seus pulmões de modo ardoso, com dificuldade, secando a garganta. 
Sua vida, de repente, passou em sua cabeça. O garoto tímido e fora dos padrões de beleza vivera de um modo nada marcante, nada extraordinário. Era aquele tipinho banal que se cala quando quer falar, que se reprime quando quer agir e que se fecha tanto em algo que se espera dele que simplesmente some em meio a multidão, se torna invisível. Pensou: "O que falariam de mim em meu enterro?" e refletiu que seria o velho clichê de "bom ser humano, bom filho, bom garoto" e talvez sua mãe chorasse diante das câmeras de TV que ele era estudante, e por uns minutos o país se comovesse com um futuro perdido pela violência dos grandes centros urbanos. Nada mais que isso. E ele? E sobre o real Rodrigo? E sobre o que se passa dentro dele?
O garoto sentiu uma dor latejante em seu corpo, tão forte que o fez cair no chão, no meio fio de uma rua pela qual corria enquanto refletia. Gemendo de dor e sentindo a visão turva, ergueu a mão até sua barriga, onde parecia ser a fonte de sua agonia... a mão veio completamente vermelha, suja e ensopada de sangue. Se deu conta que havia sido atingido, que correr fora inútil, que a morte o tinha perseguido em formato de um projétil cheio de pólvora, vindo de uma arma de fogo (de policiais? de bandidos?) a guerra e o tiroteio não tinham vencedores ou vencidos, certos ou errados, eram todos vítimas de si mesmos. 
Rodrigo ouviu os berros, os chamados, algumas mãos o tocando, rostos ao redor... mas tudo estava tão distante! A visão era turva e sua audição era quase toda prejudicada por uma surdez repentina, nem falar conseguia, só puxar ar incessantemente, mas sabia que não iria adiantar. No fundo, ele sabia que ali se encerrava sua vida. 
Com a boca de repente com um gosto de metal frio, olhou adiante para o céu e puxou o ar uma última vez. Pendeu a cabeça para o lado, e viu uma ambulância chegando, paramédicos saltarem do automóvel. Era tarde demais, ele fechou os olhos.


E abriu de ímpeto. 
Não estava no asfalto de uma rodovia, não havia sangue, não havia bala, não havia multidão, desespero, ambulância. 
Rodrigo não era um jovem sem graça, invisível, clichê, banal.
Rodrigo era uma criança de 11 anos que sonhou com toda uma vida durante uma noite, e que resultou em uma cama molhada de xixi, suor frio, berros pela mãe e uma zoação eterna pelo irmão mais velho com o qual dividia o quarto (que não era o Rodrigo, mas ele sim vivia uma vida sem graça, invisível, clichê e banal). 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Uma escritora dopada.


Hoje durante o dia todo me vi inundada de um sentimento estranho, meio vazio, meio "não sei dizer". Agora estou aqui, tamanha madrugada, com o mesmo sentimento: sei lá. 
Tomei o comprimido que daqui a pouco vai me dar uma zonzeira e eu vou acabar dopada, dormindo profundamente como sempre. Provavelmente nem vou perceber que dormi e vou acordar amanhã de manhã (de tarde?) meio confusa como sempre, talvez com um sentimento de sei lá ou qualquer outro, como quase todo o dia comum na vida de alguém anormal, ou normal, ou humana. Mas hoje, não sei, resolvi escrever. 
Eu, como escritora, uso minhas palavras batucadas nesse teclado como válvula de escape, pra economizar o dinheiro do terapeuta ou do antidepressivo ou para simplesmente dar um grito de alma, não de voz. 
To num momento da vida em que a situação anda delicada, meio enervante, fico num estado de estafa quase como aquele depois de chorar e soluçar, que você não sabe muito bem o que faz, mas os olhos tão cansados e talvez dormir resolva. Já chorei, já dormi, já acabei com meia panela de brigadeiro, mas o gosto de ressaca lacrimal ainda está aqui. 
Não quero aqui fazer um daqueles textos lindos com uma moral legal, um tom bacana de quem lida bem com as adversidades da vida etc, etc, etc; to escrevendo o que me vem na cabeça e talvez esteja extremamente sem sentido, mas não é pra fazer sentido, cara, eu só to escrevendo, licença? 
Acho legal escrever assim, no impulso, sem assunto, sem temática, só querendo vomitar as palavras, ressecá-las de mim, mesmo que eu não fique satisfeita com o resultado textual, mesmo que esse texto possa ser aquele meio vergonha literária, meio ruim (qual o diminutivo correto de ruim? ruinzinho? ruimzinho? ruinzãozinho? Queria por o diminutivo aqui mas não tenho certeza de qual a forma correta) e que ninguém leia ou que haja aquelas críticas básicas de gente que não entende minha cabeça (a maioria). Eu só quero escrever: sem compromisso com a estética, com a ética, com a noção. Nada mais justo que está meio "sei lá" e fazer um texto "sei lá", como está esse. 
Aliás, é normal querer que a vida toda seja um sonho e de repente acordar com 5 anos de novo, de repente? Correr pra mãe, assustada, reivindicar uma beira da cama dela e dormir sentindo aquele cheiro de mãe que só a nossa mãe tem? Acho que sim. Quase tudo o que a gente acha anormal, geralmente, é excessivamente normal, e então a gente fica confusa se achando banal e comum. Eu era original, e agora descubro que tudo o que penso ou pensei, fiz ou senti quase toda a humanidade já experimentou. Eu sei, é triste. 
Já to ficando grogue o suficiente pra conseguir dormir sem virar e revirar na cama, é só cair no colchão e cheque-mate. Talvez dê tempo de ver umas dessas séries legais que passam na TV às 2hs da manhã com uma dublagem vergonhosa e com episódios fora de ordem. 
Falando de madrugada e eu estar acordada até essa hora, já ouvi uma frase, e não lembro de quem é no momento, que dizia: "Talvez a madrugada seja feita para pensar e não para dormir". Se pensar aí no contexto quer dizer escrever, concordo, se for pra auto martírio reflexivo, acho mais saudável tomar um Dramin ou um desses aí do tipo sonífero e dormir, sinceramente. 
Com amor, de uma escritora meio dopada e boa de conselhos.