segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Uma carta da Vida.


O que você está fazendo aqui? O que te trouxe aqui – bem aqui, mesmo – e por que você ainda permanece? Ora, eu não sei o motivo de você permanecer, mas eu sei quem te trouxe. Fui eu. Eu, ser bobo, a Vida. É estranho, não é? E sim, você está falando com si próprio, e com todos no mundo, ao mesmo tempo. Uns me chamam de destino, outros me chamam de carma, de tempo, mas na verdade eu sou tudo isso e sou nada disso. Eu sou você. Eu sou ele, aquele, vocês, todos. Eu sou o que pulsa dentro de todos e de cada um. E não tenho nome, só pseudônimos, você escolha qual prefere. 
Na verdade, não interessa como me chame, eu domino a maioria de vocês. Claro, vocês amam me culpar de tudo o que fazem, “a vida me trouxe a isso”, “foi o destino”, Ah, quanta besteira! Eu não sou responsável pelas suas burradas. Eu só levo você às consequências, e isso pode ser à qualquer parte, mas mais precisamente à duas posições: ao sucesso ou ao nada.
Vocês, seres humanos, tão racionais, basicamente se dividem entre: os que se movem e os que eu movo. A maldita decisão sempre foi de vocês, sempre o direito de escolher o que fazer e pra onde ir, eu só encaminho. Nada pode ficar parado, sem movimento algum, e se você não der um passo, eu te movo, nem que seja com empurrões, e você para onde eu quiser que pare, e se não se movimentar nem para evitar, irá se deixar levar. E quer saber onde eu te levo? Ao nada. Nunca darei sucesso a quem não se move nem para evitar meus empurrões.
Ah, pequena criatura, acha que não é um dos que eu domino? Acha que se domina? Reflita de novo. Nesse século, poucos são os que tomam as rédeas que eu ergo diante dos seus olhos e controla o que eu disponho, a maioria só se deixa ser marionete. Quão cansativo para mim é empurrar milhões de vocês todos os dias! Como sinto falta de Eistein, de Nobel, de Aristóteles, isso só para citar os poucos que realmente fizeram algo pela humanidade, diferente da maioria de vocês.
Eles se moveram, me deram gosto em deixar as rédeas correrem soltas enquanto eles guiavam, foi um deleite promovê-los ao sucesso. Hoje tudo o que a humanidade é, deve um pouco a eles. E olhem como vocês a usam mal... francamente, estou perdendo o sentido!
Não me retiro de você, talvez, por pensar que ainda pode se mover ao invés de me deixar trabalhar tanto. E minha irmã, a Morte, ela está ocupada terminando o meu trabalho para que eu a preocupe com essas burocracias, que vocês chamam de epifania ou algo nesse sentido. Ela tem tido muito trabalho, talvez mais até que eu.
Mas agora, pode seguir, sendo empurrado por mim ou tomando as minhas rédeas. Eu não sou fácil, e muitas vezes sou amarga, mas sei de minha beleza, e ela é grande o suficiente para você não cortas os fios que te mantém ligado a mim. Pode não pegar as rédeas, pode ser empurrado, mas ainda está aqui, não está? Então, humano, tome logo as malditas rédeas e faça por si. O “nada” já está bem lotado.
Te deixo agora com essa reflexão, preciso manter muitos corações batendo, há serviço para ser feito. Espero que eu seja longa pra você, e que você me faça linda. 

Assinado, sua Vida. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

...


É claro que não me importo
É claro que não me preocupo
Sou jovem, inexperiente, irresponsável
Como esperam que eu decida minha vida?
Como esperam que eu queira o certo?
Quero comer doces, quero dormir até tarde
Quero conversar, quero desperdiçar o tempo
Não estou pronto para decidir meu futuro
Minhas dores são tolas, meus problemas são estúpidos
Meu mundo é pequeno, minhas dúvidas são abismais
Nem ao menos tenho certezas
Minha maior batalha é contra as espinhas
Minha maior vitória é sair da cama de manhã
Meu futuro mais distante se extende até a próxim refeição
Meu maior sonho é chegar ao final de semana
E esperam que eu decida minha vida

Sou preguiçoso, sou desmotivado
Sou despreparado, sou desinteressado
Sou entediado,sou estúpido
Mas não posso dizer isso, não posso admitir meus erros
As expectativas são muito grandes, a pressão é muito forte
Sou punido por admitir meus defeitos

Um jovem que age como jovem é reprimido
Não podemos ser jovens, não há tempo para isso
Não há tempo para viver o presente
Pois o futuro já chega amanhã

A sinceridade é punida
então não digo nada disso
Então sorrio e falo com confiança
Então faço uma escolha sem me importar
Então tomo uma decisão sem pensae
Então finjo estar preparado
Então finjo estar decidido
E espero apenas
que as coisas demorem a dar errado.


(Apolo Blans Lima)

domingo, 8 de setembro de 2013

Metamorfose em forma de mulher.


Ela era alguém que vivia à sombra do mundo. De forma clara, estava no lugar errado. Era linda, mas não como devia. Sabia das coisas, mas era dissimulada ao ponto de ser sonsa. Era perfeitamente linda, engraçada, inteligente. Quem a via não imaginava do que ela era capaz.
Por de trás da capa de menina moça vivia uma força estupidamente incontrolável de cunho vingativo, e que, de certa forma, a faria um ser respeitável e forte. Nada poderia detê-la. Nem o mais forte dos anjos decaídos na mais fria e cálida noite de inverno no inferno. Ela era determinada, de uma determinação desconhecida, apesar de ser insegura, sendo, portanto, contraditória.
Era víbora e lebre, cão e gato, chocolate e alface, vida e morte. E por detrás de tanta força a delicadeza meiga de uma menininha leve de sonhos leves e olhar pesado. Menina que já era mulher, menina que a vida metamorfizou.
Menina que sonhava em ter uma menina... Ou um menino talvez; que pensava seriamente na sensação de ser mãe, tinha como um dos seus sonhos prediletos. Sonho ou meta, será que se sabe?
Da sua fina mão de poetiza, saem textos de uma técnica inexplicável. Talento? Reencarnação? Psicografia? Inspiração? Nem um ser superior sabe ao certo.
Aquela que nasceu no mundo de Júpiter, se criou na casa de Minerva, bebeu da água de Diana, inspirou a casa de Baco, impressionou um cupido e vive como Vênus.
Vênus. Talvez essa seria a melhor forma de descrevê-la. Ou seria uma Helena de Tróia? Cleópatra? Ou estaria mais voltada pra força de Margaret Thatcher...
Ainda bem que de certo o Ser Superior a consignou ao nosso plano, planeta, vida, lugar, vizinhança, idade...
Seria deveras triste a vida sem a existência da Deusa, da mulher vita.
Voltando a falar dos olhos: Sendo eles que mostram a alma, esta seria triste? Alegre? Porque justamente ela com esses "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada"?
O fato é: Nem que eu tente mil vezes pelos próximos dez mil anos, não conseguirei descrever precisamente a Amazona que existe no coração desta mulher.


- Gabriel Falcão.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

Garoto sem graça, invisível, clichê e banal.


Ouviu barulhos de tiros, seu corpo enrijeceu e ele saiu correndo em disparada, pálido, sentindo um frio repentino nas entranhas. Corria se abaixando, em meio a berros, se tremendo, sem pensar direito, apenas corria por sua vida, o desespero tomando conta de sua mente e o ar entrando e saindo de seus pulmões de modo ardoso, com dificuldade, secando a garganta. 
Sua vida, de repente, passou em sua cabeça. O garoto tímido e fora dos padrões de beleza vivera de um modo nada marcante, nada extraordinário. Era aquele tipinho banal que se cala quando quer falar, que se reprime quando quer agir e que se fecha tanto em algo que se espera dele que simplesmente some em meio a multidão, se torna invisível. Pensou: "O que falariam de mim em meu enterro?" e refletiu que seria o velho clichê de "bom ser humano, bom filho, bom garoto" e talvez sua mãe chorasse diante das câmeras de TV que ele era estudante, e por uns minutos o país se comovesse com um futuro perdido pela violência dos grandes centros urbanos. Nada mais que isso. E ele? E sobre o real Rodrigo? E sobre o que se passa dentro dele?
O garoto sentiu uma dor latejante em seu corpo, tão forte que o fez cair no chão, no meio fio de uma rua pela qual corria enquanto refletia. Gemendo de dor e sentindo a visão turva, ergueu a mão até sua barriga, onde parecia ser a fonte de sua agonia... a mão veio completamente vermelha, suja e ensopada de sangue. Se deu conta que havia sido atingido, que correr fora inútil, que a morte o tinha perseguido em formato de um projétil cheio de pólvora, vindo de uma arma de fogo (de policiais? de bandidos?) a guerra e o tiroteio não tinham vencedores ou vencidos, certos ou errados, eram todos vítimas de si mesmos. 
Rodrigo ouviu os berros, os chamados, algumas mãos o tocando, rostos ao redor... mas tudo estava tão distante! A visão era turva e sua audição era quase toda prejudicada por uma surdez repentina, nem falar conseguia, só puxar ar incessantemente, mas sabia que não iria adiantar. No fundo, ele sabia que ali se encerrava sua vida. 
Com a boca de repente com um gosto de metal frio, olhou adiante para o céu e puxou o ar uma última vez. Pendeu a cabeça para o lado, e viu uma ambulância chegando, paramédicos saltarem do automóvel. Era tarde demais, ele fechou os olhos.


E abriu de ímpeto. 
Não estava no asfalto de uma rodovia, não havia sangue, não havia bala, não havia multidão, desespero, ambulância. 
Rodrigo não era um jovem sem graça, invisível, clichê, banal.
Rodrigo era uma criança de 11 anos que sonhou com toda uma vida durante uma noite, e que resultou em uma cama molhada de xixi, suor frio, berros pela mãe e uma zoação eterna pelo irmão mais velho com o qual dividia o quarto (que não era o Rodrigo, mas ele sim vivia uma vida sem graça, invisível, clichê e banal). 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Uma escritora dopada.


Hoje durante o dia todo me vi inundada de um sentimento estranho, meio vazio, meio "não sei dizer". Agora estou aqui, tamanha madrugada, com o mesmo sentimento: sei lá. 
Tomei o comprimido que daqui a pouco vai me dar uma zonzeira e eu vou acabar dopada, dormindo profundamente como sempre. Provavelmente nem vou perceber que dormi e vou acordar amanhã de manhã (de tarde?) meio confusa como sempre, talvez com um sentimento de sei lá ou qualquer outro, como quase todo o dia comum na vida de alguém anormal, ou normal, ou humana. Mas hoje, não sei, resolvi escrever. 
Eu, como escritora, uso minhas palavras batucadas nesse teclado como válvula de escape, pra economizar o dinheiro do terapeuta ou do antidepressivo ou para simplesmente dar um grito de alma, não de voz. 
To num momento da vida em que a situação anda delicada, meio enervante, fico num estado de estafa quase como aquele depois de chorar e soluçar, que você não sabe muito bem o que faz, mas os olhos tão cansados e talvez dormir resolva. Já chorei, já dormi, já acabei com meia panela de brigadeiro, mas o gosto de ressaca lacrimal ainda está aqui. 
Não quero aqui fazer um daqueles textos lindos com uma moral legal, um tom bacana de quem lida bem com as adversidades da vida etc, etc, etc; to escrevendo o que me vem na cabeça e talvez esteja extremamente sem sentido, mas não é pra fazer sentido, cara, eu só to escrevendo, licença? 
Acho legal escrever assim, no impulso, sem assunto, sem temática, só querendo vomitar as palavras, ressecá-las de mim, mesmo que eu não fique satisfeita com o resultado textual, mesmo que esse texto possa ser aquele meio vergonha literária, meio ruim (qual o diminutivo correto de ruim? ruinzinho? ruimzinho? ruinzãozinho? Queria por o diminutivo aqui mas não tenho certeza de qual a forma correta) e que ninguém leia ou que haja aquelas críticas básicas de gente que não entende minha cabeça (a maioria). Eu só quero escrever: sem compromisso com a estética, com a ética, com a noção. Nada mais justo que está meio "sei lá" e fazer um texto "sei lá", como está esse. 
Aliás, é normal querer que a vida toda seja um sonho e de repente acordar com 5 anos de novo, de repente? Correr pra mãe, assustada, reivindicar uma beira da cama dela e dormir sentindo aquele cheiro de mãe que só a nossa mãe tem? Acho que sim. Quase tudo o que a gente acha anormal, geralmente, é excessivamente normal, e então a gente fica confusa se achando banal e comum. Eu era original, e agora descubro que tudo o que penso ou pensei, fiz ou senti quase toda a humanidade já experimentou. Eu sei, é triste. 
Já to ficando grogue o suficiente pra conseguir dormir sem virar e revirar na cama, é só cair no colchão e cheque-mate. Talvez dê tempo de ver umas dessas séries legais que passam na TV às 2hs da manhã com uma dublagem vergonhosa e com episódios fora de ordem. 
Falando de madrugada e eu estar acordada até essa hora, já ouvi uma frase, e não lembro de quem é no momento, que dizia: "Talvez a madrugada seja feita para pensar e não para dormir". Se pensar aí no contexto quer dizer escrever, concordo, se for pra auto martírio reflexivo, acho mais saudável tomar um Dramin ou um desses aí do tipo sonífero e dormir, sinceramente. 
Com amor, de uma escritora meio dopada e boa de conselhos.  

domingo, 16 de junho de 2013

O Gigante verde e amarelo acordou.








Eu sou um gigante, feito de vinte e seis estados e um distrito federal. Sou feito de diferenças extremas – climáticas, culturais, linguísticas –  tão diferentes que pareciam países diferentes, mundos diferentes, havia um espaço entre minhas regiões que fazia com que eu fosse meio desencaixado, desunido.
Eu vinha em um sono tão profundo, tão frio por falta de um “sangue” correndo por mim –sangue verde amarelo, constituído de nacionalismo e leucócitos brasileiros –, ele vinha escasso em meu corpo, em meu território. Verdade seja dita: de quatro em quatro anos, eu estremecia diante de uma explosão de nacionalismo que pulsava, mas logo depois cessava, quase como um suspiro de um quase morto causado por adrenalina, acabava o surto e eu voltava ao coma, completamente surdo, mudo e cego.
Era esquecido, descuidado, me tornei apenas existência, sem sentido, só algo no espaço. Logo, parasitas se apoderaram de mim, começaram a sugar mais minha vida, minha alma, e eu não conseguia ter forças para levantar e reagir. Meus leucócitos não reagiam, era uma doença autoimune chamada “corrupção”, meu sangue não reagia e por isso mesmo eu estava morrendo. Eu, o gigante Brasil, estava indo para um caminho sem volta, dominado por males que se apoderavam de mim.
Então, uma faísca se deu ao sudeste do meu corpo, e eu reagi, me revirei, senti ganhar um pouco de força. A faísca virou fogo e foi tomando conta do resto da minha extensão, me dando vida, o meu nacionalismo voltou a correr nas minhas veias! Eu, de repente, estava ali: ouvindo, vendo, gritando, pulsando. O gigante havia acordado, meio atordoado e descoordenado, mas em pé, sentindo meus sentidos reagirem. Eu estava começando a me curar.
Grande parte de mim está lutando pela minha saúde, para que eu seja aquele Brasil forte e invencível que quero ser, e assim eliminar todos os parasitas e células malignas que me sugavam. Posso não ficar completamente curado, mas basta todos saberem: O gigante acordou. 


#OGiganteAcordou #NãoSãoSóVinteCentavos #AcordaBrasil #VerásQueOfilhoTeuNãoFogeÀLuta

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Eterno Instante



Não gosto de escrever. Nem um pouco. Na verdade, diria que chego a desgostar. Não é o suficiente para odiar, mas creio que chegue perto. Acho que não gosto de “meio” nenhum. Não gosto de comer. Não gosto de dormir. Não gosto de ler. Não gosto de... Não gosto de meios. Gosto de finais. Finais são bons. São legais. Quer dizer, mais ou menos. Não gosto quando algo acaba.
Gosto da sensação imediata no início do fim. Quando descubro o real vilão ou chega na revelação do mistério. Gosto de simplesmente encarar a tela do computador e ficar com cara de “caraaaaaaalho” por alguns segundos. Aquele ínfimo e breve instante, no qual descobre um fim pela primeira vez, mas ainda não acabou, entende? Aquele fugaz instante, aquela incrível sensação de descobrir algo novo que nunca mais terá... É, é isso. Gosto do irrecuperável.Gosto das coisas únicas, que nunca mais poderá sentir, ver, ouvir ou ter. Pelo menos, não da mesma maneira. Gosto da efemeridade. Acho que sou efêmero, mas não sei. Continuo achando isso há muito tempo, mas se eu fosse mesmo já teria deixado de achar que sou, não? Bem, não importa. Gosto daquele breve instante de vida única, em que se transpassam todos os limites imagináveis da mente humana, em que palavras não são suficientes para descrever sensações. Em que nada é descritível. Em que é impossível sentir qualquer coisa além de o que já se sente. Em que o corpo deixa de existir, sua mente desaparece e sua alma deixa de ser sua. Gosto da fugacidade instantânea e momentânea que não se repete jamais. Nesses breves momentos de pouca importância, mas de valor inimaginável, sinto-me fora de tempo e espaço, fora de tudo e dentro de tudo. Sinto que deixo de ser eu, deixo de ser um, deixo de existir como unidade e torno-me um pequeno pedaço de algo muito maior e mais antigo. Algo mais. Algo diferente. Céu, universo, espaço, tempo, outra dimensão. O que quer que seja. É, definitivamente, mágico. E não é de nosso mundo. Não é algo que se possa compreender, entender ou explicar. Não há justificativas para sua existência. Talvez nem seja uma existência. Talvez não passe de uma loucura particular, pequenas manias de uma mente com mania de grandeza. Mas isso também não importa. Realmente não há como explicar o que é ou como me sinto. Nem ao menos há como separar o “ser” do “sentir”. É um conjunto. É um conjunto de tudo que já existiu ou existirá e ao mesmo tempo não é nada. É algo totalmente incompreensível e o melhor que posso explicar fica muito pobre quando colocado em palavras.E é nesse estado de espírito (ou de não espírito, não sei) que tomo minhas decisões ou tenho minhas inspirações. É nessa eternidade instantânea que a luz se faz diante de meus olhos e as histórias surgem ou os pensamentos se formam. São nesses momentos irrecuperáveis, eternamente imutáveis, que minha mente trabalha com maior capacidade. Mas é uma capacidade gigantesca. É uma capacidade grande demais pra humanidade. É maior e melhor do que qualquer coisa que a humanidade já criou, está milênios de quilômetros além da compreensão. De qualquer compreensão. De toda a compreensão.Ainda assim, tento transformar tudo isso em palavras. Tento eternizar o passageiro, cometo um erro tão gigantesco. Tiro toda a beleza de minhas criações, apenas para mostrar a outros. Meu orgulho é tão gigantesco que, mesmo que isso signifique destruir e destroçar toda a beleza, quero mostrar aos outros. Exibo retalhos mal cortados e ainda pior costurados e me encho de orgulho com os comentários de apreciação que recebo, como se isso compensasse todas as atrocidades que cometo com algo que um dia foi tão sublime e belo. E ainda assim não consigo evitar. Tornei-me viciado em escrever. Tornei-me viciado em maltratar de maneira tão absurda imagens, sons e cheiros que me cercam de maneira tão carinhosa.Disse que não odeio escrever. Menti. Menti muito. Provavelmente, a maior mentira de minha vida. Eu odeio do fundo do coração escrever. Porque a escrita é pobre. Mesmo sendo uma das coisas mais ricas já criadas pela mente humana, a escrita é pobre. Isso mostra o quão pobre a mente humana é. Isso mostra o quanto ainda temos que percorrer e melhorar para... Para quê? Há um objetivo? Chegará um momento em que de fato alcançaremos o “bom”? Tal definição é realmente alcançável? Li uma vez que somos biologicamente programados para nunca estar satisfeitos. Pergunto-me quão verdadeiro é isso. Pergunto-me quão orgulhoso sou. Pergunto-me se algum dia as palavras alcançarão o poder da criação. Pergunto-me se consigo tocar os outros tanto quanto me sinto tocado quando escrevo. Pergunto-me se essa outra existência me perdoará por tentar trazer para este mundo algo que não é daqui...


- Por Apolo Blans Lima


Vou descrever exatamente o que senti ao ler esse texto em uma pequena narrativa:

"Respirou fundo, de repente surpresa. Releu os trechos e as linhas novamente, sentiu uma alegria morna, como se estivesse enxergando tudo por trás de um espelho d'água, o gosto agridoce pousava em sua língua enquanto ela lia as frases. As palavras tocavam seus olhos e ela ouvia aquele barulho tranquilo de água do mar caindo, e a coceira no nariz calma de quem é tocada por uma brisa calma. Ali, por trás de cada parágrafo e pontuação, ali estava a alma. E alma tinha cheiro, cor, gosto e som de alguém que queria ver e ser visto. A alma gritava humanidade, e o escritor gritava por ser humano. Eram dois seres de planos diferentes, mundos diferentes, que por mais que não se encaixassem, se encaixavam. Era o leitor e autor em uma sintonia. Era o cítrico e doce, bem ali, de repente se pertencendo. 
Não conseguiu mais se controlar, engoliu o gosto, fechos os olhos conseguiu ver e ouvir melhor. A alma fazia barulho, a alma tocava seu rosto, a alma era macia. Agradeceu, num sussurro calmo e aconchegante ao texto e ao autor. Ela tinha encontrado um pedaço de sua alma perdido."

O texto acima escrito foi direcionado ao Apolo como forma de expressão, assim que terminei de ler. Deve conter erros e bastante confusão, mas o escrevi no ato da emoção, num suspiro de inspiração que quis transmitir a ele. Perdoem a falta de revisão por minha parte ou qualquer erro que encontrarem. Não sei se o leitor deste blog irá concordar com minha reação ou sentimento ao ler, mas cada texto toca alguém de modo diferente. 



É isso por hoje, meus caros. Até. 
Larissa Cruz.

sábado, 27 de abril de 2013

Portadora das palavras.



Sou uma poetisa, uma escritora, uma artista das palavras. Nasci para dar vida à desordem das mentes, para tocar as almas e arrepiar cada centímetro da pele de quem ler e for tocado. Sou feita de sentimentos, sensações e pensamentos, naturalmente intensa e à flor da pele.
A inspiração é algo que me toca, morna e leve, como um cheiro natural e familiar, mas ao mesmo tempo estranho, que sempre causa um rebuliço no estômago e frio na espinha. Sinto tudo ao redor com mais intensidade, aos extremos, como se as coisas – de algum modo – precisassem ser expressas e gritadas por mim. Um grito silencioso que fica preso às páginas e intocado, pronto para berrar àquele que tiver pronto para recebê-lo.
Tudo que toco vira poesia, tudo o que me toca vira motivo para que eu escreva, para que eu toque as palavras e de repente as transforme em um texto bem escrito e tocante. É um ciclo. Perguntaram-me, inúmeras vezes, de onde tiro forças pra escrever e eu ainda me pego na dúvida em relação a isso. Não sou eu que escolho quando escrever, são as palavras que escolhem quando sair de mim.
Sinto-me um novo personagem a cada dia, a cada hora, a cada ambiente. Todos dormem em mim, silenciosamente, à espera de um momento para se revelar. Anjos, demônios, princesas, fadas, guerreiros, aquela menina tediosa da sexta série, aquela convencida da faculdade, aquela mãe coruja, aquela inocente, aquele bebê e aquela mulher cruel; aquele homem ignorante, aquele filósofo, aquela assassino, aquele observador, aquele teimoso e safado, aquele intocado: todos dentro de mim trocando de lugar, trocando de forma, trocando de olhar e jeitos... todos partes de mim mesma. Mulher de fases não, mulher de faces.
Perceba, leitor, o quanto é importante para mim brincar com seus sentimentos e sentidos: sinta uma mão afagar seu rosto e logo depois um tapa, sinta um cheiro doce que logo se torna intoxicante, sinta lábios doces e em seguida uma mordida forte, olhe um sorriso cruel e em seguida perceba as lágrimas caindo – salgadas e quentes – sob seu colo e serem absorvidas pelo tecido de sua vestimenta. Tudo isso sou eu e você, tudo isso é humano, é divino, é um sopro de vida e outro de morte.
Sou o mundo, sou o belo, sou o feio, sou o repugnante e o atraente, eu sou aquele suspiro e aquele arquejo de dor: sou a portadora das palavras, e você é a minha vítima. 

domingo, 10 de março de 2013

Ela é do futuro.


Abriu os olhos num susto ao ouvir o som do despertador, o coração acelerado após um sonho sem sentido e a urgência de ter que encarar mais um dia intenso. Estava atrasada novamente, e era preciso se dividir em mil para conseguir tomar banho, se vestir, esconder a palidez e as olheiras com uma maquiagem básica, arrumar os cabelos e tomar café, tudo isso antes das vinte para as sete, quando devia estar saindo de casa.
Estava cansada, tanto fisicamente quanto mentalmente. Sentia várias coisas se esvaírem dela, inclusive a liberdade em muita coisa. Era necessário disciplina, responsabilidade, não podia em momento nenhum pensar que as coisas seriam fáceis dali pra frente, porque ela tinha deixado de ser criança.
Ela morria de medo, morria de medo de fracassar, de perder para ela mesma. O medo e a tensão eram seus companheiros constantes agora, pois o futuro estava batendo na porta, a espera de uma permissão para entrar. E ela tinha que dar essa permissão.
Estava presa em um engarrafamento quilométrico, nervosa pelo atraso, pensando em todas as consequências que aquela perda de tempo traria. Sentiu por um momento uma saudade doída de quando ela não precisava levantar antes das sete, de quando o que a acordava eram os beijos carinhosos de mamãe para ir na escolinha ali no bairro mesmo. 
Agora, tudo era diferente. Estava alçando voo, crescendo, estendendo as asas rumo ao desconhecido futuro. Estava apostando todas as fichas no que, ao ver dela, é o que ela queria. 
Saiu do carro seguida de um olhar orgulhoso e talvez meio melancólico do pai, que enquanto todo o conflito interno acontecia na cabeça dela, tinha ficado observando como sua garotinha cresceu. Constatou que a garotinha tinha ido embora há muito, e que agora uma mulher tomara seu lugar. Observou o andar dela pela calçada e refletiu enquanto fixava os olhos cor de mel - que ela herdara - no retrovisor: "Agora ela é do mundo, agora ela é do futuro". 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Bruxa.



A garota recebeu um forte chute na cabeça do guarda que passava, abrindo-lhe mais um corte enquanto o frio metal da bota fazia seu caminho através do rosto da pobre mulher. Ela sentiu o olho arder conforme o sangue escorria até seu olho e impedia sua visão, misturando seu mundo em dor, medo, raiva, ratos enormes e sangue. Muito sangue. 
O guarda sorriu quando viu o resultado de seu movimento e se abaixou para ficar ao nível da franzina garota. Com sua mão truculenta ele levantou o rosto frágil e marcado por inúmeras cicatrizes, de torturas dos interrogatórios e das surras dos guardas. Analisou suas feições desesperadas por alguns segundos, sentindo uma estranha pena se espalhar por seu interior e se perguntando se o que fazia era certo. Então cuspiu na órbita vazia onde antes estivera o outro olho da jovem. É claro que ele estava fazendo o certo. Ela era uma maldita bruxa e merecia sofrer por tudo que representava e por todas as pessoas inocentes que morriam de tanto trabalhar, indo para cama com fome à noite, enquanto ela apenas estalava os dedos para conseguir comida. Era injusto. Era nojento. Ela era nojenta.
A mulher segurou suas lágrimas uma vez mais, feliz por saber que em breve tudo estaria acabado. Em breve ela seria levada para a fogueira e poderia abandonar esse mundo de preconceitos, torturadores, guardas com botas de ferro e um povo ignorante, preconceituoso e invejoso. Sim. Em breve ela estaria livre.
O guarda se assustou com o estranho sorriso que se espalhou pelo rosto da bruxa maldita, de corpo tão franzino e inofensivo, uma aparência tão delicada, outrora doce – mas com suas belas feições agora desfiguradas pelas pinças e tições da igreja – e ao mesmo tempo tão absurdamente perigosa para as pessoas normais. E ficou feliz por ela ir para a fogueira em breve, para poder acabar com tudo isso. Então lhe deu um soco na boca, estalando-lhe o maxilar e fazendo-a cuspir os últimos dentes que ainda tinha. O sorriso realmente o perturbava.
Jogada pra trás pela força surpreendente do golpe, a jovem se encolheu em uma bola no canto da cela e deixou finalmente as lágrimas fluírem. Era surpreendente que ainda fosse capaz de chorar, depois de tudo que lhe fizeram. Apenas mais um soco não deveria significar nada para ela. Mas a maldade, o preconceito e a ignorância com que aquele golpe estava carregado foram demais para uma única mulher aguentar. Ela se perguntava como sua família pôde aguentar tudo isso. E chorava mais, desesperada por sua família e por saber que todos eles estavam mortos por sua causa. Mas tentou se acalmar com a ideia de que logo tudo estaria acabado. Uma última viagem. Uma última dor. E então alcançaria a liberdade. 
O homem cuspiu-lhe uma última vez, de longe, e resolveu sair da cela – os outros soldados logo viriam leva-la para a fogueira e seu merecido fim. Então sentiu outra vez aquela pequena pontada de culpa e dúvida – será que estava fazendo o certo? Será que essa pobre e mirrada jovem era mesmo tão perigosa? Ela mal parecia capaz de levantar os braços sem ajuda. Agitou a cabeça para se livrar dos pensamentos e se afastou rapidamente. Já estava pensando como um herege, se continuasse assim logo seria ele mesmo mandado à fogueira. Amaldiçoou a bruxa e sua magia e andou até sumir na escuridão.
As horas passaram. E passaram. E passaram. Então se tornaram dias. E os dias continuaram passando. E nada da fogueira. Nada da liberdade. A jovem amaldiçoou o escuro e desejou que isso acabasse logo. Depois de tanto sofrimento e tortura, os padres ainda queriam ver seu definhamento demorado de fome e sede? Isso era tão cruel e injusto.
Depois de ter perdido a conta dos dias desde que recebera a última visita, o guarda da bota de ferro, a garota percebeu que não havia mais nada pelo que esperar. Os guardas não viriam, a fogueira nunca apareceria e as chamas libertadoras nunca a consumiriam. Este era seu fim. Então decidiu abandonar suas últimas esperanças e acabar logo com tudo aquilo. Arrastou-se lentamente, um movimento doloroso de cada vez, evitando forçar o braço quebrado, sentindo a estranha leveza do coto onde antes estivera sua perna. Então um sorriso quase irônico lhe veio aos lábios. Tudo era estranho nesses dias. Finalmente conseguiu alcançar a parede, quase desmaiada de dor, e se preparou para seu suspiro final. Levantou lentamente sua cabeça, milímetro por milímetro e se preparou para soltá-la e deixar o frio impacto da pedra acabar com sua miserável vida.
Os passos duros e metálicos reverberavam altos pelo corredor escuro, mandando ondas de som através das pedras frias e constantemente molhadas. A tocha era fraca e quase não era suficiente para ver 5 palmos a frente, a escuridão daquele lugar parecia sentir fome e um prazer perverso em cercar as pessoas. Quando chegou perto da sela e próximo ao guarda que vigiava a suposta bruxa o homem parou e tirou suas botas, para não alertá-lo de sua aproximação. Também se livrou da tocha, já que uma luz era tão gritante naquela escuridão. Com a adaga em punho ele se aproximou sorrateiramente, respirando fraco e pisando leve, até chegar ao lado do seu antigo amigo. Com um olhar triste e carregado de lembranças felizes, o homem cortou a garganta do outro e sentiu o sangue quente e pegajoso escorrer por seu braço, entrando em sua manga e deslizando por seu torso, enquanto a vida do outro deixava o corpo em uma última respiração assustada. 
Ele preferiria ter convencido seu antigo companheiro de infância, mas sabia que nunca conseguiria – eles pensavam de modo muito diferente, além de só ele ter visto o estado deprimente em que a garota estava. Então um barulho estranho veio da cela – um baque úmido e sólido – e o antigo guarda temeu estar atrasado. Com as mãos tremendo de ansiosidade, o arrombador colocou a chave na fechadura e a girou, apenas para encarar uma escuridão silenciosa e angustiante. Rapidamente pegou a tocha que estava na mão sem vida do carcereiro de sua amada e iluminou o interior da cela. Prendeu a respiração com o que viu. Um corpo molestado e destruído, torturado até o limite da criatividade humana, obrigado a declarar algo falso, apenas para a satisfação da vaidade dos malditos inquisidores. E então ele falhou. Chegou tarde demais. A garota finalmente cedeu e se matou. Depois de tanto lutar e se esforçar, depois de mostrar tanto desafio ela finalmente se rendeu para a escuridão maldosa ao seu redor e escolheu o único caminho que parecia lhe restar. Uma morte rápida e limpa. 
Mas ele não a deixaria assim. Pelo menos seu corpo – ou o que restou dele – ele salvaria. Correu até o canto distante da cela e aninhou o belo e pequeno corpo em seu braço – ela estava tão maltratada que um braço era suficiente para carrega-la. 
Ele corria pelo corredor, tentando fazer o mínimo de barulho possível, evitando guardas sempre que podia e matando-os traiçoeiramente quando não podia. Ele sabia que tinha de correr. Em alguns minutos os corpos seriam encontrados e a fuga notada. Nunca fora bom lutador, chegara ao posto de guarda das prisões por sorte e sabia que não galgaria mais nenhuma posição. Ele não tinha nada a perder, exceto talvez o pobre corpo seguro em seu braço.
Após cinco minutos e o terceiro corpo abandonado com a garganta aberta e o sangue jorrando de suas veias, enquanto o coração ainda não percebia que deveria parar de funcionar, enquanto o corpo lutava com todas as forças contra a morte, mesmo que a alma já houvesse desistido e se esvaído, o alarme tocou, gritando para todos que pudessem ouvir que uma fuga acontecia e todas as saídas da prisão deveriam ser seladas. A última esperança do fugitivo era chegar ao fim do corredor antes de as pesadas portas se fecharem, deixando-o preso dentro da terrível escuridão, tendo as pedras, um corpo totalmente desfigurado e sua loucura estúpida como companhia. 
Abandonando completamente a cautela, ele correu a toda velocidade, esbarrando em guardas assustados e derrubando-os para fora do caminho, enquanto refreava arquejos da dor e agonia extrema que lhe subiam pelos pés, sendo enviados das lâminas posicionadas no chão e impossíveis de serem evitadas e se amaldiçoou por ser obrigado a deixar suas botas para trás. Então, finalmente, inesperadamente, esperançosamente a luz do dia surgiu a sua frente. Eles iriam conseguir. Ele salvaria sua senhora. Eles conseguiriam escap- uma única flecha mortal, disparada com precisão quase sobre-humana acertou-lhe exatamente entre os olhos, atravessando sua cabeça e derramando pedaços do cérebro ao seu redor.

- Por Apolo Blans Lima 

Ps: Apolo é um amigo meu, e vocês devem ter percebido que ele escreve divinamente, e como não tem paciência pra atualizar páginas e publicar seus textos, ele pediu a mim para publicar aqui alguns dele. Devem ter percebido que o estilo dele é um pouco menos delicado que o meu, mas ainda assim fantástico, concordemos. Enfim, é isto. Textos do Apolo pelo menos uma vez por semana. 
Ps.2: Sim, Apolito se inspirou com meu texto da bruxa, etc. 
Beijos.
Larissa Cruz.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Cinzas de uma inocência.



Ela estava no canto do calabouço úmido, os cabelos longos embaraçados e sujos, o vestido rasgado e em péssimo estado, sua pele marcada por lesões profundas e sua alma por lesões mais profundas ainda. Acusada de bruxa, sentenciada e julgada por isso, no entanto não poderia operar qualquer truque mágico ou surpreendente. Era uma simples camponesa, com o dom de ter flashes do futuro. Dom, que acreditava ela, Deus lhe tinha dado por ser merecedora, porém todos diziam que quem morava nela não era o Senhor, e sim o maligno.
Engoliu em seco, e sua garganta arranhou em protesto, pois estava muita seca. Ela se moveu na escuridão, as pedras frias do chão do calabouço lhe servindo de apoio enquanto se arrastava até as grossas barras de ferro, por onde gritou:
- Água, água!
Uma voz grave do guarda veio do corredor, num tom zombeteiro:
- Crie água da pedra, bruxa! Onde está teu poder agora?
Ela começou a chorar, em desespero.
- Não sou bruxa! Sou inocente! Deus sabe que nunca fiz nada de maligno!
- A Inquisição lhe julgou culpada, e é assim que deve ser. Se tu, mulher, for inocente, Deus Nosso Senhor não permitirá que o fogo lhe queime. Agora faça silêncio, herege, e espere pela fogueira!
Chorando desesperada, segurou nas barras com força. Seu destino era a fogueira em algumas horas, quem sabe minutos. Respirou fundo e pediu a Deus forças, então voltou a ficar quieta na escuridão, o ar pesado e difícil das profundezas da prisão a faziam sentir-se tonta e mais perturbada ainda.
Algumas horas se passaram, e logo os guardas abriram a cela e arrastaram a garota pelas correntes e pelos cabelos. Quando saíram do calabouço e a luz pôde enfim tocar a bruxa, ela se tornou visível à multidão que ali esperava para ver o castigo de uma pagã.
A garota de longos cabelos loiros e aparência frágil pareceria inofensiva se a ela não coubesse o título de bruxa, algo inaceitável na idade média, algo que só teria dois caminhos: morte ou morte pós tortura. Ela foi arrastada até um mastro de madeira que estava no centro da praça pública, cercado de madeira e palha. Um frio tomou conta do estômago da bruxa, e seus pés perderam as forças, fazendo-a ser quase carregada até o mastro, com violência.
Todos a observavam atentamente: o vestido simples e sujo, com algumas manchas de sangue devido a alguns machucados pelo corpo, as marcas visíveis de tortura, o rosto pálido e os olhos cor de mel completamente assustados.
A bruxa foi amarrada no mastro com força, fazendo-a ficar impossibilitada de mover qualquer parte do corpo, e ela chorava e gritava, dizendo que era inocente, para terem piedade. O padre se aproximou, fez uma oração em latim e jogou água benta, pedindo que todos os pecados dos quais ela tiver sido acusada fossem arrependidos e seu corpo purificado pelo fogo.
As tochas foram acesas, e a garota gritava mais em desespero, a multidão vibrava por “justiça divina” enquanto observavam o fogo se espalhar ao redor da bruxa.
Ela gritava e chorava, e os incentivos da multidão a machucavam mais que as próprias chamas. O calor foi aumentando e o fogo se aproximando, começando a consumi-la. Aos berros, sentiu o fogo tocá-la e queimá-la, a dor era insuportável. Sentia que estava no inferno sendo inocente. Num instinto, fechou os olhos e visualizou o futuro certo: Ela completamente incendiada, tida como bruxa. Apenas uma entre tantas inocentes, apenas uma vítima da ignorância de um período da história.
Os berros cessaram, e antes que o fogo a consumisse por inteira, ela abriu os olhos e uma lágrima desceu por sua face pálida e coberta de cinzas. A vidente condenada como bruxa, a bruxa tida como uma possessão demoníaca, o sábio que falou demais ou ensinou demais, alguém que pensou mais que devia, todos consumidos pela morte.
O fogo tomou conta de todo corpo e alma da garota, restando no final da fogueira às cinzas de uma inocência.