Ela estava no canto do calabouço úmido, os cabelos longos
embaraçados e sujos, o vestido rasgado e em péssimo estado, sua pele marcada
por lesões profundas e sua alma por lesões mais profundas ainda. Acusada de
bruxa, sentenciada e julgada por isso, no entanto não poderia operar qualquer
truque mágico ou surpreendente. Era uma simples camponesa, com o dom de ter
flashes do futuro. Dom, que acreditava ela, Deus lhe tinha dado por ser
merecedora, porém todos diziam que quem morava nela não era o Senhor, e sim o
maligno.
Engoliu em seco, e sua garganta arranhou em protesto, pois
estava muita seca. Ela se moveu na escuridão, as pedras frias do chão do
calabouço lhe servindo de apoio enquanto se arrastava até as grossas barras de
ferro, por onde gritou:
- Água, água!
Uma voz grave do guarda veio do corredor, num tom
zombeteiro:
- Crie água da pedra, bruxa! Onde está teu poder agora?
Ela começou a chorar, em desespero.
- Não sou bruxa! Sou inocente! Deus sabe que nunca fiz nada
de maligno!
- A Inquisição lhe julgou culpada, e é assim que deve ser.
Se tu, mulher, for inocente, Deus Nosso Senhor não permitirá que o fogo lhe
queime. Agora faça silêncio, herege, e espere pela fogueira!
Chorando desesperada, segurou nas barras com força. Seu
destino era a fogueira em algumas horas, quem sabe minutos. Respirou fundo e
pediu a Deus forças, então voltou a ficar quieta na escuridão, o ar pesado e
difícil das profundezas da prisão a faziam sentir-se tonta e mais perturbada
ainda.
Algumas horas se passaram, e logo os guardas abriram a cela
e arrastaram a garota pelas correntes e pelos cabelos. Quando saíram do
calabouço e a luz pôde enfim tocar a bruxa, ela se tornou visível à multidão
que ali esperava para ver o castigo de uma pagã.
A garota de longos cabelos loiros e aparência frágil
pareceria inofensiva se a ela não coubesse o título de bruxa, algo inaceitável
na idade média, algo que só teria dois caminhos: morte ou morte pós tortura.
Ela foi arrastada até um mastro de madeira que estava no centro da praça
pública, cercado de madeira e palha. Um frio tomou conta do estômago da bruxa,
e seus pés perderam as forças, fazendo-a ser quase carregada até o mastro, com
violência.
Todos a observavam atentamente: o vestido simples e sujo,
com algumas manchas de sangue devido a alguns machucados pelo corpo, as marcas
visíveis de tortura, o rosto pálido e os olhos cor de mel completamente
assustados.
A bruxa foi amarrada no mastro com força, fazendo-a ficar
impossibilitada de mover qualquer parte do corpo, e ela chorava e gritava, dizendo
que era inocente, para terem piedade. O padre se aproximou, fez uma oração em
latim e jogou água benta, pedindo que todos os pecados dos quais ela tiver sido
acusada fossem arrependidos e seu corpo purificado pelo fogo.
As tochas foram acesas, e a garota gritava mais em
desespero, a multidão vibrava por “justiça divina” enquanto observavam o fogo
se espalhar ao redor da bruxa.
Ela gritava e chorava, e os incentivos da multidão a
machucavam mais que as próprias chamas. O calor foi aumentando e o fogo se
aproximando, começando a consumi-la. Aos berros, sentiu o fogo tocá-la e
queimá-la, a dor era insuportável. Sentia que estava no inferno sendo inocente.
Num instinto, fechou os olhos e visualizou o futuro certo: Ela completamente
incendiada, tida como bruxa. Apenas uma entre tantas inocentes, apenas uma
vítima da ignorância de um período da história.
Os berros cessaram, e antes que o fogo a consumisse por
inteira, ela abriu os olhos e uma lágrima desceu por sua face pálida e coberta
de cinzas. A vidente condenada como bruxa, a bruxa tida como uma possessão
demoníaca, o sábio que falou demais ou ensinou demais, alguém que pensou mais
que devia, todos consumidos pela morte.
O fogo tomou conta de todo corpo e alma da garota, restando
no final da fogueira às cinzas de uma inocência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário